domingo, junho 26, 2005

Patos em S. Miguel de Machede


18 Setembro 2004
Bom, esta fotografia tem pouco a ver com a caçada que vou relatar. Mas como nesse dia infelizmente não levei a câmara , à falta de melhor utilizo esta que foi tirada a meio da manhã durante uma caçada às perdizes em Ferreira do Alentejo, onde a protagonista é a minha cadela pointer que, à minha ordem, saltou para a água e foi cobrar ... um pau por mim lançado.

Mas imaginem esta mesma lagoa, que tem à volta de 300 metros de diâmetro, transformada de repente num pequeno açude de app. 15 x 10 m , sem vegetação em redor e com 3 ou 4 palmos de altura de água.

Sim senhor, foi numa coisa assim deste tamanho, no meio de uma planície imensa de restolho e lavrado , praticamente sem um sobreiro, e com um ligeiro declive para o açude, que fiz uma caçada de espera aos patos, e que resolvi relatar pois foi das experiencias mais bonitas que tive na minha vida de caçador.

Francamente , devo dizer que nunca tinha caçado a sério aos patos. Mas no dia 18 de Setembro 2004 aceitei o desafio e compareci às 5h horas da manhã em S Miguel de Machede para uma brincadeira destas.

Para mim, o importante era ter a garantia que me tinham dado de caçar peças bravas e não patos de capoeira como tanto se vê agora por aí.

À minha espera estavam 3 confrades alentejanos , bastante jovens por sinal, todos estudantes universitários em Évora, mas muito batidos nesta coisa dos patos , e que , durante a caça geral , é raro acabarem o dia sem se colocarem à volta de um acude e aí esperarem os patos . Quando o sol se põe e os outros caçadores de salto arrumam a tralha e se vão embora , é precisamente quando eles tiram os abrigos do carro , os chamarizes e vão caçar patos.

Feitas as apresentações , segui atrás do Ford Fiesta deles , de noite escura , durante uma série de Km até virarmos para dentro de uma Herdade onde estacionámos os carros praticamente logo à entrada e onde estava o guarda à nossa espera.

Retirei o meu abrigo desmontável que comprei na Decathlon, camuflado em folhas de tons de castanho esverdeado e cinzento e encostei-o à carrinha. De seguida, tirei a minha semi-automática Beneli e enchi os bolsos com cartuchos Melior de 34 gr , chumbo 5.

Ainda era cedo e ali estivémos um pouco à conversa , fumando um cigarrito e olhando para os milhares de estrelas que nos miravam do céu. A madrugada estava com uma temperatura que era uma delícia e adivinhava-se um dia abrasador.

O cheiro dos restolhos humedecidos com o orvalho de verão entrava-me pelas narinas . Bebi 2 ou 3 goles de água para limpar e meti uma tablete de chocolate na boca pois quase não tinha tomado pequeno almoço.

Que havia uns patos naquela zona, que não era zona caçada há 2 anos, que era provável mantê-los entre as 2 lagoas/açudes onde se iria caçar por estarem muito "querençudos" , tudo isto me diziam os caçadores e guarda , mantendo, por isso, a minha adrenalina ao máximo.

Ainda escuro como breu, metemos a espingarda e restante tralha às costas e encaminhámo-nos para o citado Açude, deixando o guarda para trás a observar-nos. As botas tropeçavam desajeitadamente no meio da noite nos grandes torrões secos de uma parte lavrada, levantando pó , mas o silencio entre nós , enquanto caminhávamos, era quase sepulcral.

Eu nem sequer sabia para onde íamos. Sabia que era perto e que só tinha de seguir os vultos tentando não lhes perder o rasto.

A cerca de 100 metros do açude , o da frente parou e colocou tudo no chão. Acercámo-nos dele.
"É provável que estejam alguns patos dentro do açude" sussurrou quase imperceptívelmente. " por isso , vamos carregar aqui as espingardas , deixar o resto aqui , e vamos tentar derrubar um ou dois de surpresa assomando ao acude". Tudo isto de noite, ainda sem se ver, adornava o episódio também com uma grande dose de aventura.

E assim foi, fizémos uma aproximação em linha ao pequeno paredão do açude mas, ainda antes sequer de conseguirmos subir e vermos a água , já os sentíamos a bater as asas na água arranjando balanço para levantarem e irem para outras paragens . É que nem sequer os vimos, eu pelo menos não lhes puz a vista em cima.

Bom, desiludidos, regressámos ao sítio onde havíamos deixado os sacos e os abrigos e aí, então, fizémos um pequeno sorteio ( tudo isto de noite escura ) e fomo-nos colocar à volta do açude, dentro dos abrigos, ainda de noite.

Minutos mais tarde, os chamarizes de fole entraram em acção . Eu não conseguia ver os patos. Era ainda muito escuro. Mas de vez em quando sentia-os a passar. Dois tiros de uma das portas e senti um grande estardalhaço de um real a cair dentro de água.

Silêncio. Kué, Kué - mais uma vez o chamariz a funcionar. Mais silencio . Desta vez foram uma série de disparos. Um pato caiu à volta do açude e outo caiu dentro de água.

Longe ouviam-se mais tiros que eram feitos no outro açude e que, segundo eles , distava daquele cerca de 1 Km .

O tom rosa da aurora aparecia no horizonte e começava então a ver os contornos daquele sítio onde estava a caçar. Uma pequena maravilha da natureza que só quem caça pode benefeciar de momentos tão solenes.

Mais uns tiros ... mais uns patos a cair.

O primeiro que cacei senti o aproximar do bater das asas por trás de mim. Virei-me dentro do abrigo. Já vinha de asa aberta para se fazer ao açude. Dois tiros e foi cair em baque surdo na margem junto à agua. O coração encheu-se-me de alegria. Só tive vontade de sair do abrigo e ir a correr ver o pato derrubado. Mais tarde vi que era um pato colhereiro. É uma ave mais pequena que um real, com o bico em forma de colher , muito bonito.

Nas horas seguintes assisti a um espectáculo que nunca tinha visto. Os patos, sobretudo reais, aproximavam-se em formações de 4 ou 5. Antes de se fazerem ao açude sobrevoavam os ares. Imobilizados e completamente em silencio dentro dos abrigos ouvíamos o bater das asas lá no alto.

Muitas vezes davam 2 voltas e, desconfiados, começavam a afastar-se. Quando tal sucedia eram imediatamente "provocados" com os chamarizes de fole e de apito, reagindo e voltando para trás ao açude. Era então que levavam fogo.

Falhei diversos patos que me pareciam estar perfeitamente dentro do tiro. Puro engano, diziam-me os caçadores. Ainda iam altos. É preciso deixá-los fazerem-se muito bem à agua e só então atirar.

O segundo pato que matei era um real que passou muito desconfiado. Levantei-me de repente do abrigo, apontei a arma lá para o alto, dei-lhe um desconto de 4 ou 5 metros e disparei. O coração saltou-me quando o vejo a desprender-se lá do alto, muito alto, e foi cair redondo no meio da planície a cerda de 150-200 metros do síto onde estava.

Maravilhoso - pensei para comigo, que caça magnífica.

Pelas 11 horas , o sol queimava e os patos começaram a deixar de aparecer. Vi que um dos caçadores do outro lado do açude estava a dormitar dentro do abrigo, talvez fruto da noite mal dormida.

Minutos depois, ao longe, 6 ou 7 pontinhos no céu aproximavam-se a grande velocidade. Era uma formação de patos que nos ia visitar. O caçador continuou a dormir e os patos passaram-lhe mesmo por cima da cabeça, quase que lhe arrancando o chapéu. Quando tocaram com as patas na água levantaram voo de novo pois viram que estavam "acompanhados" e vieram direitinhos a mim. Mais 3 tiros e consigo abater mais um real que veio cair quase aos meus pés.

Foi uma manhã de maravilha. Cerca do meio dia, arrumámos tudo e fomos embora para os carros.

Um dos confrades tinha uma pequena geleira dentro da mala do carro e retirou umas cervejas ainda geladinhas que bebemos avidamente, sentados no chão à sombra dos carros, devido ao calor que se fazia sentir.

No final, manifestei a minha alegria quer pela caçada quer pelos resultados ( entre todos 19 patos , sendo 2 colhereiros e 2 marrequinhas - em Setembro !).

Disse-lhes que nunca na minha vida ia pensar que um açude tão pequeno e com tão pouca água pudesse "dar" tanto pato , ao que me responderam que, para eles, eram os melhores. Com pouca água, os patos gostam porque enfiam o bico dentro de água e conseguem revolver o fundo à procura de comida.

Para eles, os açudes fundos e com margens abruptas não são tão bons como aqueles.

Feitas as despedidas, meti-me no carro e regressei a casa. Um mundo de satisfação seguia dentro de mim revendo todos aqueles lances maravilhosos.

Dentro de uns dias relatarei uma caçada que fiz aos patos, mas desta feita na Barragem do Alvito e com o auxílio de barcos camuflados para o efeito.

Um abraço.

Javalis em Corte do Pinto


9 OUTUBRO 2004
Tínhamos escolhido um fim de semana inteiro de caça com a Família.
No sábado 9 de Outubro montaria em Corte do Pinto e, no dia seguinte, uma de perdizes na Serra de Serpa.
Na sexta-feira, depois do trabalho, saímos de Lisboa ao final da tarde e seguimos para Serpa onde iríamos ficar durante todo o fim de semana na bela Pensão Serpínia, logo à entrada da cidade.
Nos carros seguia a família toda, incluindo filhos, com a excitação normal destas ocasiões.
Jantámos pelo caminho e pelas 11 horas da noite chegávamos à Pensão,a Serpa.
Tratámos dos cães que ficariam nessa noite no reboque e, rapidamente, deitámo-nos, para dormir ainda algumas horas já que no dia seguinte teríamos de nos levantar , tomar o pequeno almoço e rumar para zona de Minas de S Domingos em Mértola.
Acordámos bem cedo, desengatámos o reboque que ficaria na pensão e "pusémo-nos" ao caminho.
Belo dia de Outono, cheio de sol, o ideal para uma Montaria.
No Corte do Pinto, no local do encontro, já se grelhavam febras e chouriço alentejano,em grandes grelhadores ao ar livre.
Completada a inscrição e restante pagamento das portas, chegou a hora do sorteio ,cabendo-me a porta 23.
Pelas 11 horas da manhã, entrámos em camionetas que diziam " Transporte de Gado Vivo" e lá fomos aos solavancos,agarrados como podíamos, no meio do incessante pó da estrada, para a mancha , com cerca de 200 hectares , onde podíamos, também, atirar aos veados.
A porta ficava situada no cimo de um cabeço, em cima de umas pedras altas,tendo pela frente uma ribeira que passava num pequeno vale e muita esteva pela frente , numa bela chapada com cerca de 200 metros de largura. Muito boa para carabina. Porco que passasse pela frente levaria à vontade pelo menos 3 tiros.
Cerca de 30 minutos mais tarde, os matilheiros entraram ao local.
Pela nossa direita, a cerca de 30 metros, do lado da chapada que ficava aos meus pés, as matilhas levantam uma vara de 4 porcos , mãe e 3 filhos já quase adultos.
A porca, esperta, baixa ao vale e desapareceu por completo, nem cães , nem matilheiros nem caçadores jamais a viram. Fiquei muito tempo a pensar naquilo , como era possível tal acontecer? Um animal daquela tamanho ?
Os filhos, esses, subiram a chapada e passaram por mim correndo desalmadamente entre as estevas, a cerca de 5 metros.
Apontei a um, com a dificuldade inerente à utilização de binóculo em tais circunstancias e premi o gatilho. Senti a frustração de carregar com força no gatilho e nada acontecer. Tinha deixado a BRNO em segurança, esquecendo-me por completo de a desengatilhar. Entre o corrigir a situação e tentar ainda o lance passou demasiado tempo. Os porcos tinham sumido.
Bolas ! Isto é imperdoável. Não se vem a uma montaria e esquecemo-nos de tirar a arma do seguro. Irritado, sentei-me desanimado de cabeça baixa.
"Mira hombre por que no has tirado ?" gritou longe o matilheiro que era espanhol. Lá lhe expliquei como pude e acenou com a cabeça como se estivesse a pensar: "é pá este gajo deve ser maçarico !!"
Bom, restava-me aguardar pelo fim da montaria e fiquei sentado a pensar que, não tendo aproveitado aquela oportunidade única, a montaria estava feita.
Cerca de 1 hora mais tarde, regressavam os matilheiros, debaixo de um sol escaldante e foram passar exactamente pelo mesmo local onde me encontrava desde manhã. Nem me levantei, limitando-me a observar, pensando que nada mais haveria por ali.
Quando passaram a meia encosta, também do meu lado, um grande alarido dos cães fez-me dar um salto, de arma aperrada. Um Javardo, grande , arrancava pelo meu lado direito ( era o pai) indo passar de través mesmo em frente às outras portas. Levou diversos tiros, uns atrasados, outros por cima, outros por baixo, muito pó,fugiu sempre e saltou para o lado de lá da encosta, correndo ainda chapada acima. Já no final quando já prestes a desaparecer, um tiro de carabina muito bem colocado por outro monteiro, fê-lo virar-se, perdendo lentamente o equilíbrio, caindo morto encosta abaixo.
Os cães tinham passado lá de manhã. Tinham levantado a mãe e os filhos. O pai, no meio da enorme confusão, ficou matreiro deitado no mato e tudo passou por ali sem que o porco fosse visto, sentido ou levantado.
Só no regresso é que, desinquieto e nervoso e finalmente descoberto resolveu tentar escapar.
Mais uma lição nestas lides das montarias.
Regressámos ao monte , e, embora o almoço fosse constituído por um dos meus pratos favoritos, um belo bacalhau cozido com todos, regressámos a Serpa, famintos, onde as mulheres e os filhos já nos esperavam há bastante tempo para almoço.
No dia seguinte haveria perdizes de salto. Que melhor programa de fim de semana se pode ter?
Um abraço
Nota: Mais tarde soube os resultados finais da montaria: 8 Javalis e 2 veados. Até para o ano.