domingo, fevereiro 02, 2014

A Inka já pode descansar por alguns meses.

















Ou melhor, arrumei o "ferro" na caça geral.

Os poucos tordos que por aí andam provavelmente já não me convencem para mais saídas.

O ano passado acabei com uma fotografia similar à de cima e com um "chorrilho" de elogios a esta braco alemão, nova companheira das minhas jornadas de caça.

Na próxima época, 2014/2015 irá completar , comigo, a sua 3ª época de caça.

Quando revejo tudo o que ela me ofereceu e a forma como evoluiu na 1ª e nesta grandiosa 2ª época, quase que me assusto com o que ainda pode vir a dar-me e a fazer em termos de progressão.

Toda a minha vida cacei com "pointers" , a quem muitos apelidam de... "O Rei". São cães de facto extraordinários, grandes batedores de terreno e possuídores de um olfacto apuradíssimo que lhes permite detectar a caça a distancias consideráveis. A sua beleza na paragem, o seu olfacto incontornável, fizeram-me, desde sempre, fã dos pointers , caçando, inclusive, em simultaneo, com um par deles,  que me deram, também, muitas alegrias.

Mas cães de caça, não é só estética e olfacto, bonitas paragens e grandes correrias. Descobri que um bom cão de caça tem de ser muito mais do que isso.

A inteligência na abordagem às peças de caça.

A inteligência no trabalho de busca no campo.

A capacidade de sacrifício em entrar ao mato na procura incessante da perdiz, codorniz, lebre ou mesmo coelho, que lá se meteu.

A capacidade de rastear as perdizes que caiem feridas e garantir uma percentagem de êxito perto dos cem por cento no cobro.

A inteligência e a capacidade de se unirem com o seu dono, e caçarem como se fossem um todo?

A docilidade de partilhar dias de caça em trabalho e, no descanso,  noites inteiras com o seu dono no mais profundo dos sonos, deitada no canto do quarto?

Um cão de caça, um verdadeiro e bom cão de caça tem de ser tudo isto. Se ainda juntarmos algumas das qualidades dos pointers, então sim, poderemos render-nos e chamar-lhes ( aos Bracos) de...Reis da caça!

Naturalmente que não pretendo entrar nesta polémica,  não há raças melhores do que outras para a caça. Todas as raças têm bons e maus cães de caça. Mas o Braco Alemão, se todos fossem iguais à Inka ( e eu sei que fui um afortunado, que tive mesmo muita sorte com a cadela) seria seguramente o Rei da Caça.

Inteligentes ( talvez das mais inteligentes raças do mundo - não sou eu que o digo - só corroboro -  mas sim os verdadeiros especialistas) , com autêntico espírito de sacrifício na caça, nas condições mais adversas, quer faça um calor abrasador, chuva, frio ou vento, com uma busca minuciosa e inteligente dos campos, não deixando ficar para trás locais por explorar nem  peças amagadas no terreno, com olfacto poderoso, com uma paragem firme e inquebrável, com um cobro extraordinário, alegre, depositando, intacta, a peça de caça nas mãos do dono, o Braco Alemão é, descobri-o agora, talvez o cão mais completo para a caça menor.

Relato aqui 3 ou 4 lances desta época que me marcaram e deixaram de boca aberta.

Beja
Outubro
Voacaça
Muito calor.Caçava sózinho à codorniz.
Caçando numa linha de água, quase totalmente tapada com vegetação densa, a Inka detecta um cheiro forte. Procura, nervosa e rápida,  uma entrada e, qual cão de coelhos, dobra-se toda e mete-se lá para dentro. Literalmente, deixei de a ver. Só a ouvia. As patas chapinhavam na água. O seu nariz "aspirava" todos os odores que a pudessem ajudar a tirar de lá para fora as codornizes. Percorro cerca de 20 ou 30 metros a acompanhar a cadela somente pelo barulho que lá dentro fazia. Subitamente, a 5 ou 6 metros á minha frente,  um par de codornizes saiem de lá de dentro, uma atrás da outra,  e entram outra vez para dentro, em corrida. Estava provado que a Inka andava no seu encalço. Mais uns metros e salta a primeira, em fuga, em pânico, em puro terror,  pois a cadela já não lhe estava a dar mais hipóteses, já não lhe dava descanso. Desfiro um tiro e derrubo-a, caindo  no restolho. Estranhamente, a cadela não sai de lá de dentro. Atravesso com alguma dificuldade a linha de água e vou apanhar a codorniz. A Inka, essa continuava lá dentro, a dar conta da outra.Recarrego a Beretta. Não demorou muito. Dois ou três minutos e a outra, sentindo-se desamparada, sai em fuga, voando, rápida. Novo tiro e a codorniz caiu a uns 20-25 metros, no restolho. Aqui já a Inka sai de dentro da vala e rápida, começa à procura da codorniz. Atiro um torrão para a zona onde ela tinha caído e rapidamente estava na minha mão, cobrada pela cadela.
O estado lastimoso em que a cadela estava, quando saiu da vala dizia-me tudo. Molhada, cheia de lama e com o corpo, cabeça e orelhas cheias daquelas irritantes pequenas bolas de picos que se nos agarram às calças e que tanto custam a tirar.
O brilho que tinha nos seus olhos e a cauda alegremente a abanar demonstrava a sua satisfação do dever cumprido, a sua satisfação de ter estado a trabalhar para o seu dono.

Serpa
Vendinha
ZCA
Dezembro
Tempo frio. Perdiz brava.
Caçada em linha, numa associativa.
Depois de ultrapassar, a muito custo, um barranco pronunciado, comecei a subir uma encosta íngreme, nas ordem dos 35/40º de inclinação. O sol banhava aquela encosta por onde algum trator teria andado a limpar o mato, remexendo a terra. A Inka, dá-lhe um cheiro,  desvia de repente para a direita e uma lebre levanta-se em fuga. Com a Beneli e com um tiro certeiro de chumbo 6 derrubo-a. Rápida, a cadela cobra a lebre e traz-ma à mão. Enquanto a arrumo no bornal, oiço 2 ou 3 tiros e fico atento. Uma perdiz ( ou era um avião ?) de asa aberta, escapa aos caçadores da linha, que seguiam já na minha frente. Encaro a espingarda, aponto, corro a mão e com um tiro em cheio ceifo-lhe a vida . Porém, o tiro foi largo, talvez a uns 40 metros e com a embalagem que já trazia, a perdiz foi cair muito longe, outra vez lá para o fundo, lá para baixo, para dentro do barranco. Exausto e a transpirar como estava,  de vir a subir, se me pedissem para voltar a descer lá abaixo e ir lá tentar apanhar a perdiz, estaria tentado a dizer que já lá não ia. Mas a Inka viu tudo. Viu o tiro, viu a direção, olhou e viu a perdiz a ir cair lá em baixo no vale. Rápida, desceu, desceu, desceu, entrou na ribeira, procurou, procurou ( dei-lhe 4 ou 5 minutos) e qual a minha grande alegria quando a vejo a subir outra vez o cabeço, de perdiz na boca, para me vir entregar. Ajoelhei-me, naquele momento em que ela me depositou a perdiz na mão, puxei a cadela pelo pescoço, dei-lhe um abraço e um beijo na sua linda cabeça. - Linda menina, dizia-lhe enquanto lhe fazia imensas festas.

Mértola
Janeiro
ZCT Giões
Tempo ameno. Perdiz semi-brava, mas muito agreste.
Uma linha de 7 caçadores.
Terreno com cabeços pronunciados, giestas, e largas faixas de cereal não colhido,  ali deixado propositadamente alimento e refúgio da caça.
A Inka começa a dar-me sinal de perdizes. Agitada, acelera no terreno. Como só tinha ainda 2 horas nas pernas, acelero o meu passo para a acompanhar. Mesmo assim não consigo totalmente. A cadela procura o cheiro da perdiz dentro do mato, faz um círculo largo sempre com o nariz a ventos e estaca, em grande paragem, de frente para mim, entalando a perdiz, como que a querer dizer: "Dono está ali, é toda tua". A perdiz não demora e, contrariamente ao que a cadela certamente esperaria,  a perdiz não arranca direito a mim. Arranca, sim, em voo poderoso, mas para o lado direito. Corro a mão e desfiro-lhe o tiro a uns 30/35 metros e ela vai cair por detrás de um muro antigo de pedra solta. Não lhe consigo sequer ver a "pancada" por causa do muro. Mas a cadela arranca, salta o muro para o outro lado e 3 ou 4 minutos depois, volta a saltar o muro para este lado, mas...com a perdiz na boca.

Beja
Salvada
Voacaça
Já de regresso aos carros, que havíamos deixado na margem do Rio Guadiana, caçava numa linha de 4.
O Paulo L. seguia pela minha direita mas bastante afastado, junto a um canavial, seguramente a uns bons 150-200 metros.
O meu companheiro da esquerda faz-me sinal em geito de desafio, se teria coragem para bater um cabeço enorme, cheio de mato e rochas que estava pela minha frente.
Ataquei o cabeço, habitado seguramente também por coelhos pelos rastos existentes. Iniciei a subida, íngreme, afastando por vezes o mato com os braços e até elevando a espingarda para não a riscar desnecessariamente.
Chegado a meia encosta, o suor escorria-me pelo nariz, desisti, endireitei a rota  e comecei a seguir em frente, sempre a meia encosta. Algumas dezenas de metros mais à frente , salta-me uma perdiz do mato. Tiro quase instintivo devido ao cansaço e vejo a perdiz a cair, a uns 20/25 metros. O mato era muito, a Inka estava mais acima, ja no topo do cabeço. Chamo-a.
O tal companheiro da esquerda indica-me a zona onde tinha caído a perdiz, pois tinha visto o local da pancada. Chegado lá, tirei o chapéu, depositei-o no chão a sinalizar a zona, mas não conseguia encontrar a ave. O outro caçador, vendo que eu não a encontrava resolveu "fazer-se" ao cabeço e foi, com algum custo até á minha beira. "A perdiz caiu aqui nesta zona, caiu redonda, tem de estar por perto. Procurámos, procurámos, até de cócoras estivémos pois o mato era enorme. A Inka entretanto chega. Cobra Inka, cobra.
A cadela entrou em trabalho de busca e afastou-se. Chamei-a de novo: Inka, é aqui, anda cá! - ela veio, cheirou por ali mais um pouco e voltou a afastar-se, perdendo-se no meio do mato.
Largos minutos depois, prestes a desistirmos, preparávamo-nos para começar a descer quando ouvimos, a uns bons 50 metros dali, uma grande "restolhada" no mato  e um cacarejar desenfreado. Olha, a Inka deu com ela e apanhou-a. Não demorou muito a aparecer-me com a perdiz na boca. A perdiz estava viva, tinha caído de asa e fugiu a patas. Nós, humanos, errámos redondamente ao procurar naquele local e quase obrigar a cadela a restringir a sua busca naquele lugar. Para ela, o animal, era claro que a perdiz já lá não estava e, sem hesitações, foi-lhe no encalço, pelo rasto, até a conseguir desalojar, quiçá de alguma pequena rocha ou carrasco onde se meteu. Com grande satisfação a cadela deixava-me cair a perdiz na mão e o companheiro não resistia e lançava o elogio: -bela cadela tem aí o meu amigo!


A Inka foi a minha grande companheira da época de caça 2013/2014. Começámos a 1 de Setembro, com o característico calor deste mês, a caçar à codorniz. No dia da abertura geral, caçámos nas margens do Guadiana à perdiz e à lebre. Fizémos jornadas inteiras, sábados e domingos, sobretudo em Serpa, Beja e Mértola, incessantemente, a palmilhar kilómetros uns atrás dos outros. Esperámos os patos à noite, nos açudes. Muita partilha. A Inka já é da família. Só vive para nós. A sua lealdade é algo que não consigo descrever por palavras, é uma recompensa muito forte, que eu tenho e guardo como um tesouro que Deus me deu, egoisticamente só para mim. Bem hajas companheira.