segunda-feira, outubro 13, 2014

As perdizes de Mértola -Herdade de Santa Maria


Paisagem da Herdade. Obviamente nem tudo é assim.

Ensopado até aos ossos. O autor, num estado "deplorável".

Caça selvagem. Qualidade em vez de quantidade.

















































11-10-2014
Herdade de Santa Maria - Águas Santas
Mértola


Não fora o mau tempo que se fez sentir a meio da jornada e teria sido uma inesquecível manhã de caça.

Às 07h00 da madrugada chegava ao Hotel A Esteva , em Castro Verde, para me encontrar com o grupo com quem iria caçar.

Feitas as habituais apresentações, metemo-nos à estrada, em 4 carros,  e andámos cerca de meia hora, até chegarmos  à Herdade de Santa Maria, na estrada entre São João dos Caldeireiros e Almodôvar.

A premissa, ou promessa, como queiram,  era a de passar uma manhã de caça de salto à perdiz selvagem.

Como foi a primeira visita, reservei-me no direito de manter as minhas dúvidas, sobre este aspecto,  até verificar o seu comportamento.

No monte, montei a Pietro Bereta, recheei uma cartucheira com cartuchos de de 34 gramas de chumbo 6, guardei um impermeável no bolso traseiro do colete de caça e, calmamente, os caçadores começaram a desenrolar-se, em linha indiana, pela beira de uma ribeira.

O dono da Herdade faria a ponta esquerda da linha e eu caçaria, ao seu lado, com a minha Inka.

Pelo meu lado direito, mais 6 armas. Portas, não haveria.

Entrámos num projecto de pinheiros e de perdizes só ouvia era o barulho do bater das asas. Andei um bom bocado sem lhes conseguir pôr a vista em cima. A Inka ia-me dando sinais evidentes de que por ali teriam andado, mas só isso.

"Ó Sérgio, por cima de si" - gritou-me o dono da Herdade. Virei a cabeça para o ar e passou-me uma, por cima da copa dos pinheiros. A tiro,  mas nem 2 segundos seguidos a consegui ver, tal a rapidez com que se esgueirou. Mesmo assim, foi um tiro atrás, que bateu na copa do pinheiro e nada mais.

Os coelhos e as lebres( poucas) iam dando alguns sinais. Viam-se, a fugir, da frente da linha para outras paragens,  sem tiros. Comecei a gostar do que via. Para caçar selvagem, tem que haver dificuldade.

Minutos mais tarde, a Inka vira-se de repente para a esquerda e o coelho, sentindo-se descoberto, arrancou louco. Ficou estendido no caminho, com tiro certeiro,  e a cadela cobrou-o, com alegria.

O céu, ia ficando cada vez mais escuro e o vento de sul dobrava de intensidade. Vamos ter conversa com a chuva - pensava para com os meus botões. Entretanto, iam caindo uns pingos, nada que me obrigasse a vestir o impermeável. Mas quando começamos a vê-los a cair da aba do chapéu, já sabemos que vai haver molha e da forte.

Ainda dentro do projecto de pinheiros, arrancou-me, sem esperar, uma perdiz em linha recta, pela minha frente. Não podia deixar escapar a oportunidade. Encarei a arma e, ao 2º tiro, foi embater na rama dum pinheiro, caindo no solo. A Inka viu tudo e arrancou, cobrando a ave num ápice. Quando ma entregou, para a mão, observei-a bem. Não tinha penas soltas. Era selvagem, por ali tinha nascido. Se fosse de cativeiro a cadela ficava com a boca toda cheia de penas. Belo exemplar, sendo fêmea.
Guardei-a, com carinho, no bolso traseiro.

A segunda perdiz não a quero esquecer. Arrancou, já nos pastos, da esquerda para direita e em descida. 2 tiros desferidos e vejo-a seguir caminho. Persigo-a, desapontado,  com o olhar. A cerca de 250/300 metros de distância, quando pensava que já a tinha perdido, encastelou, começo a vê-la a subir na vertical, a bater as asas e a continuar a subir, a bater as asas e a subir,  como que procurando a salvação lá nas alturas. Mais ou menos a 30/40 metros de altura, deixou de as bater , morreu e caiu, a pique, embatendo estrondosamente no chão. Deixei a mochila no chão e fui lá buscá-la, em passo de corrida.

De regresso, volto a colocar a mochila às costas e, com chuva e suor misturados, a cair-me pela testa abaixo,  algumas centenas de metros adiante, arrancou-me outra, estridente, com um potente bater de asas. Encaro a espingarda, aponto com calma e consigo derrubá-la ao primeiro tiro. Caiu perto do Dono da Herdade que recuou algumas dezenas de metros para a apanhar e guardar. Quando me aproximei dele, pedi-lhe a perdiz para a ver. Era um macho, corpulento, lindo. Guardei-o.

A chuva já caía havia alguns minutos, a fustigar o rosto e os olhos.A violência da chuva era de tal ordem que não havia impermeável que me valesse. Até nas costas sentia a água a escorrer.

Um orelhudo arranca em corrida desenfreada, pela minha frente, numa zona de matos rasteiros de giestas e xistos.

Um tiro a uns 20 metros e deu uma cambalhota. Apanhei-o eu ( já só queria chegar ao monte) e guardei-o no bolso da caça - único sítio que, inexplicavelmente, ainda mantinha seco.

O Dono da herdade passou por mim no Jeep, já apinhado de caçadores e cães molhados, tudo à mistura e apanhou-me. A Inka já não cabia mesmo. Não faz mal, ela vem atrás de nós - avancei e disse.

"Inka anda" - gritava-lhe pelo vidro da janela. Pelo espelho ia confirmando que a cadela corria atrás do Jeep. Parecia mais um rato todo molhado a sacudir-se constantemente.

Chegados ao monte, fui buscar a minha carrinha, esfreguei vigorosamente e sequei rapidamente ( ainda debaixo de chuva ) a Inka e guardei-a dentro da caixa de transporte em cima da manta seca, onde estaria muito mais quentinha e seca.

Antes  de mudar de roupa ( sabe tão bem nestas alturas ) num quarto do Monte, ainda tive tempo para tirar uma foto, todo encharcado, mas muito, muito satisfeito com a manhã de caça.

8 espingardas abateram 23 perdizes, 12 coelhos e 3 lebres. Curiosa a relação coelho/lebre, não sei se foi casual mas - talvez por causa do mau tempo que se tem feito sentir no Alentejo - vimos mais coelhos do que lebres. E basta olhar para a foto para ver que não são daqueles coelhos janotas, todos limpinhos, que nem sabem para onde fugir.

O almoço, um guizado bem quente de borrego com batatas aqueceu-me a alma e finalizei com uma taça almoçadeira de arroz doce. Valha-me Deus que na caça tudo nos sabe tão bem.

A viagem de regresso foi a pensar nas fartas terras do Concelho de Mértola que, quer queiramos quer não, pelo menos para mim,  continua a ser a capital da caça sedentária, em Portugal.

Um abraço amigo.