domingo, maio 08, 2005

Honoris Postumos



Entre os meus 13 e os 16 anos de idade íamos ,todos os anos,os meus Pais e irmão mais velho, durante o mês de Agosto, de férias para Sines, numa altura em que nenhuma das suas praias se encontrava ainda poluída e faziam, com certeza, concorrência àquelas que hoje são talvez dos principais destinos turísticos do mundo.

A caça às rolas abria sempre a 15 de Agosto, e era obrigatória a saída do parque de campismo, logo de madrugada, para nos deslocarmos à zona da Salvada, pequena povoação a sul da cidade de Beja.

Claro está que, naquele tempo, o terreno livre era pródigo em caça e, enquanto, o meu pai ia atirando ás rolas, era frequente vermos perdizes, lebres e coelhos deambulando por aqueles “cabeços”.

Foram férias que me deixaram muitas alegrias e sempre recordei com saudade aquelas saídas ás rolas de verão, ficando ma minha mente as herdades de cabeços pronunciados, com bastante mato e sobreiros e, aqui e ali, algumas zonas de restolhos de cereal, que convidavam as rolas a procriar e permanecer até ao regresso a terras de África.

No ano passado tive a possibilidade de, passados tantos anos, regressar à Salvada para uma caçada ás perdizes que me diziam tinham criado excepcionalmente bem, prometendo algumas horas de puro divertimento e adrenalina.

A 14 de Novembro 2004 saí de casa e, depois de recolher o meu cunhado em Oeiras, conduzimos até Beja, onde, entrando no seu interior , desviamos depois para a dita povoação da Salvada, ponto de encontro que havíamos combinado com o gestor da ZC , Sr José M., que já estava á nossa espera.

Dali até à zona de caça fizémos um bom par de dezenas de Km por meio das Herdades, o que mais se assemelhava a um safari em Africa, tal o estado dos caminhos.

Por fim chegámos e já lá se encontravam os restantes caçadores, à volta de uma fogueira que fazia frio, aguardando a chegada do Sr José M..

Cumprimentados os Confrades e defenidas as linhas – pelo método do sorteio – foi a altura de carregar as escopetas , soltar a minha inseparável pointer Gabi e iniciar a caçada.

Logo para começar, atacámos um cabeço onde, chegados ao topo, vi jeitos de, tão cansado estava, de me desequilibrar e voltar ao ponto de início.

“É lá, parece-me que aqui vou ter de sofrer as estopinhas” – pensei. No percurso, alguns torcazes saltavam da dormida de cima dos sobreiros, permitindo que, logo de manhã, alguém fizesse o gosto ao dedo, derrubando um ou outro.

Eu acompanhava o ponta esquerda já que não conhecia o local, e começámos então a caça às perdizes.

As que iam saltando, lançavam-se largas e sempre a coberto do sol, já que a direcção da linha rumava contra o sol, coisa que sempre me aborrece quando são combinadas estas voltas.

A paisagem era extasiante e quase inacreditável.

Intermináveis cabeços de giestas faziam-nos pensar 2 vezes , se devíamos continuar... ou se devíamos regressar ao carro. Claro está que a paixão e o vício das vermelhudas fazem-nos sempre ir mais além, fazendo-nos ate esquecer das distancias a que por vezes nos encontramos.

As perdizes, essas, brincavam connosco, saltando de uma encosta e voando , não para a seguinte, mas quase desaparecendo de vista, como se costuma dizer: para trás “ do sol posto”.

A Gabi não parava de me dar sinais, ora abanando a cauda naquele estilo tão peculiar dos perdigueiros ora baixando o ventre e trotando rápida pelo meio das giestas.

Já o sol ia alto e quente quando o Sr José M., fazendo-me sinal para parar, disse:

Fique agora aqui debaixo deste sobreiro, neste vale, que as outras linhas agora, supostamente, hão-de trazer-nos algumas perdizes.

Claro está que aproveitei de imediato para descansar da valente coça.

Despida a camisola e arreada a mochila que sempre levo nas caçadas de salto, com a camisa inundada em suor, sentei-me debaixo do dito sobreiro, a apanhar sol, com a Bereta nas pernas e carregada de chumbo 6 , 32 gramas.

Decorrido cerca de meia-hora, ouvi um tiro e vejo uma perdiz planar longe de asa aberta no outro lado da encosta.

Será que já aí vêm ? – pensei.

Mais 5 minutos e oiço meia duzia de tiros ao longe e de imediato vejo mais um par delas planando direito a mim pelo meu lado direito, de través. Levanto-me, encaro a espingarda , jogo os 2 tiros e as perdizes ...continuam pelo vale abaixo.

Se palavrões e impropérios as derrubassem, de certeza que nesse lance tinha feito doble.

Mais tiros e vêm mais meia dúzia delas. Passam por cima de mim. Mais 2 tiros. Não cai nenhuma.

“#$%&/; - .... para as perdizes !

E vêm mais duas... e vão mais 2 tiros e... nada!

Bom, isto hoje está mesmo para esquecer. O Sr José M. grita-me lá do alto para começar de novo a andar e virar para a minha direita, para iniciar o regresso aos carros.

Meu Deus, o que eu sofri até chegar ao carro. As pernas doíam-me quase até não poder. O coração saltava-me do peito tal o esforço desenvolvido. As perdizes, lá íam “espirrando” e no meio de muitas falhadas por clara falta de concentração devido ao forte esgotamento, lá consegui derrubar 3 no regresso, uma com a ajuda muito prestimosa da Gabi que a “marrou” dentro de uma ribeira seca.

Cheguei a ver bandos de 10 a 15 perdizes saltarem dos cabeços e voarem para tão longe que desafio qualquer um a, naqueles terrenos, ter vontade de ir atrás delas.

No final da caçada , 127 perdizes ( não me enganei não, foram cento e vinte e sete ) e 2 lebres compunham o tableau de chasse.

Para mim, honoris póstumos para 3 delas.

Magnificas terras de caça que, de tão agrestes e selvagens, albergam tantas perdizes. Para a organização, os meus parabéns. Escusado será dizer que, para o ano, lá estarei, quer para as perdizes quer para os javardos, sim, porque “rastos” frescos destes meninos era o que também lá não faltava.

Um abraço amigo Confrade José M. e obrigado pela oportunidade que me deu.