domingo, novembro 16, 2014

Acreditem se quiserem

Uma das diversas penínsulas do couto na Estrela - Alqueva.













Resguardados da chuva.





























15-11-2014

Por gentil convite do Gonçalo S. fomos este sábado a uma jornada de caça num couto familiar para lá da Aldeia da Estrela.

Combinámos o encontro no café das bombas de gasolina antes de chegar à barragem, no Alqueva.

Como linha de caça tínhamos cerca de 8 espingardas.Pretendia-se, tão somente,  passar uns momentos agradáveis dado que a Herdade em causa, sendo banhada em cerca de 50 % pelas águas do Alqueva, é muito bonita de se caçar. Acresce que tem diversas penínsulas, que, segundo estudamos na geografia do liceu, tratam-se de extensões de terra cercadas de água por todos os lados, excepto por um, o lado que a liga à terra.

Com terrenos ondulados e pastos na sua grande maioria, o forte, ou por outra, talvez seja mais acertado dizer, o mais forte da caça são as lebres que por ali vivem, algo desassossegadas pelo gado bovino a que a herdade de dedica.

Aliás, os donos, mesmo sendo uma turística, segundo soube nem se dedicam à caça.

Fazem uma brincadeira por ano e por aí se ficam.

Enquanto que em anos anteriores a caçada se realizava sempre mais cedo na época de caça, com resultados interessantes, este ano, sendo feita em meados de Novembro, foi do consenso geral que saíu prejudicada nos seus resultados,  sobretudo pelas fortes chuvadas torrenciais durante a semana que, seguramente obrigou muitas a de lá saírem e procurarem terrenos mais abrigados de tais intempéries.

Com um ou dois bandos de perdizes, que não se deixam de maneira nenhuma chegar, abrimos a linha de caça e, no final, já debaixo de forte chuvada que o vento sul trouxe nesta manhã, terminámos no armazém do Monte, com um score de meia dúzia de lebres e um coelho muito bem arrancado pela minha Inka. O senhor João, o feitor da herdade, que o diga.

De resto, tivémos os chamados lances normais, nesta modalidade de caça.

Até que nos aconteceu um lance de excepção, que me vai acompanhar a memória até ao final dos meus dias.

O Gonçalo contornava uma peninsula e a Inka ia constantemente dando sinais de lebre por ali existente a deixar rastos. Não tardou muito que a "ruça" tenha fugido e, ao vê-la, gritei a plenos pulmões, "lá vai ela".

Foi, correu, correu,  e refugiou-se noutra península mais adiante. Aí o Gonçalo e eu não perdoámos. Decidimos dar-lhe caça.

Dificilmente fugiria. Deixámos, estratégicamente, um caçador de espera no único sítio por onde ela poderia passar para trás, de fugida. Eu e o Gonçalo arrancámos, um pela esquerda e outro pela direita e, desacredite-se quem pense que seria um palmo de terra. Não, ele ia num lado, eu ia pelo outro e praticamente não nos víamos. Andámos, um bom bocado, a Inka ia entusiasmada, teimosamente dando sinais da lebre. Já no final, praticamente por instinto olho para trás e já só lhe vejo o dorso. Um tiro e o mais que consigo foi acertar no chão. Gritámos: aí vai ela, aí vai ela...!!

Ficámos à escuta. Um tiro, dois, três tiros. F##**d*se! -diz-me o Gonçalo., " já se foi". Um quarto tiro. O Tio H., que por lá perto estava,  tinha-lhe barrado definitivamente o caminho,  de forma certeira.

Regressávamos quando salta outra fora de tiro. "Aí vai outra, aí vai outra" - gritámos.

Nem um tiro. Acelerámos o passo para ver o porquê e quando lá chegámos ficámos a saber.

Esta, sentindo que por ali teria o destino traçado, fez-se à água e, corajosamente, deu um salto e começou a nadar para alcançar terra firme, para a outra margem. Logo nos indicaram onde ela ia a nadar. Olhámos atentamente e lá longe, já, só lhe víamos as patas da frente a chapinhar na água e a nadar bravamente. Terá percorrrido cerca de 250/300 metros a nadar. Nunca tal tinha visto na minha vida de 40 anos de caçador.

Gritámos para o Orlando S. - corra, corra que ela vai sair lá á frente. O Orlando, de arma aperrada acelerou o passo e escondeu-se atrás de uns arbustos. 'Orlando, olhe que ela vai sair mais à frente'.

'Estou  a vê-la muito bem' -retorquiu.

A corajosa lebre, ao fim de aproximadamente de 10 minutos (!)  de natação, num meio hostil que era de todos menos o dela, alcançou finalmente a margem e arrancou a correr, já estafada. O Orlando, nada fez.

Aproximámo-nos do Orlando e questionámos:  "Então? - porque não 'segurou' a lebre quando ela subiu a margem ?

"Não quiz! Deixei-a ir. Estive a ver a batalha que ela travou contra a água. Esteve 10 minutos a lutar. Esta lebre merecia tudo menos morrer." - finalizou, com firmeza na voz e olhar penetrante.

Nessa altura, caímos em nós e olhámos uns para os outros. Eu, confesso que fiquei envergonhado e embaraçado. O Orlando fez muito bem. Aquela lebre merecia a salvação. Para além de esperta, desafiou a morte ao aventurar-se e atirar-se para as águas do Alqueva. Lutou, lutou, até à exaustão e conseguiu a fuga. O Orlando, depois de observar toda aquela grande luta...decidiu, sozinho, fazer-lhe a vontade!

Amigo Orlando, que grande lição de fair play, de lucidez e serenidade nos deu. Um grande bem haja!


No final, as fotos, de fraca qualidade, foi o melhor que se pode arranjar pois no final da manhã
chovia a cântaros. Ainda aguardo uma ou duas fotos que o Orlando terá conseguido tirar à lebre dentro de água a nadar.

Um abraço  amigo, muito especial para o Orlando.