21-11-2020
"Elementar meu caro Watson" - dizia Sherlock para o seu assistente sempre que este se apresentava com qualquer dúvida.
Após cada jornada de caça, é sabido que se torna elementar proceder à limpeza da nossa arma. Só assim estaremos seguros do seu correto funcionamento no exercício futuro da caça.
Neste nosso regresso às ribanceiras e abruptos barrancos desta Herdade, onde predomina a perdiz ali nascida e criada no campo, a expectativa era, como sempre, elevada.
Na jornada anterior, embora com muita pena minha não tinha podido estar presente, capturaram-se, noutra zona desta mesma Herdade, 4 machos"pintados" nas caudas, o que me aumentava ainda mais a ansiedade e o desejo por conseguir um destes belos troféus.
Já no campo, com um bonito e radioso dia de sol, no momento de formarmos a linha, sorteámos os postos através do habitual cartucho no interior da boina de caça.
Ao retirarem o meu, correspondia à ponta esquerda da linha, o melhor posto sem dúvida. Trata-se de um percurso praticamente no fundo dos barrancos, até em terreno mais direito e mais fácil de percorrer, onde me competiria, mais do que descobri-las, atirar às perdizes levantadas pelos meus companheiros da linha de caça estendida por aquelas vertentes agrestes, e que viriam em fuga, em voos muito rápidos pelas ribanceiras abaixo, normalmente nas linhas de junção dos vales.
O meu mochileiro, o F. , que ali trabalha há mais de 20 anos, conhece o local como ninguém, conhece "as cortadas" dos voos das perdizes quando em fuga e, exemplarmente, lá me ia indicando quais os melhores locais para lhes atirar. Tínhamos de andar em passo mais acelerado que os outros pois a perdiz salta na linha de caça em voo frontal e depois desce em fuga as encostas para tentar sobrevoar a ribeira e por-se fora do alcance das armas dos caçadores.
Ouvimos 2 tiros algures na linha e aguardo. Lá vêem duas. Asas abertas e direitinhas a mim cortando o silêncio do vale. Peitos bojudos e cores garridas, vivas . Desfiro o primeiro tiro, falho e ao segundo disparo...arma encravada !! Nervoso procuro desbloquear a arma, uma Benelli Crio, sem grande razão aparente para tal avaria.
Novo lance, novo falhanço ao primeiro e encravada de novo ao tentar o segundo disparo.
Nova perdiz, asa aberta, vê-me e revoa forte e rápida, da direita para a esquerda, corro a mão, atiro e a perdiz cai do lado de lá da ribeira, dentro do mato. O F. corre, ao mesmo tempo que alega que está "redonda!, e eu ordeno o cobro ao meu braco, o Jeep, que também a tinha visto a cair. Aguardo e alguns instantes depois, desanimado, vejo do lado de lá a perdiz a sair do interior do mato, a patas, a subir o barranco. Que angústia. Longe, não a podia segurar. Felizmente, logo após, também o "Jeep" saía do mato atrás dela e, depois dalgumas fintas ao cão ( estava a ver que se ía embora) o braco captura e traz-me a perdiz na boca, como sempre de forma doce, intacta, grande virtude deste meu companheiro de 4 patas.
Mas isto não é normal - pensava já com os nervos descontrolados, olhando, vendo e revendo a espingarda. O F. lá me dizia depois de também tentar consertar a avaria, que "a arma não estava boa" ! - que nervos.
Só conseguia inserir um cartucho, em modo manual, tinha desistido do segundo e do terceiro pois a patilha que alimenta o cartucho para a câmara estava sempre a prender no interior, encravando a arma.
Pelas minhas contas e, se fosse o "mata tudo", teriam ficado umas sete ou oito pelo caminho, senão mais. Que vertigem de perdizes a voar encostas abaixo, atentas, de asas bem abertas. Que pica!! Assim, ficou uma e também uma grande lição, a da obrigação de bem limpar as espingardas em casa, antes de sair à caça. Sim, porque o real problema era a mola que deixa trabalhar a patilha de alimentação dos cartuchos, que estava suja de pólvora seca e empedernida, não estava oleada, por isso prendia no seu interior.
Na segunda metade, cedi imediatamente o meu lugar, ainda fui ao Monte trocar de espingarda e lá consegui caçar mais um par delas.
Almoçámos ao ar livre, no Monte, bom tinto da safra do JF, azeitonas novas bem temperadas, queijo manchego, pão alentejano e, entre outros acepipes, umas bifanas de cebolada de comer e chorar por mais.
Restou-me a lição e a quase certeza de tão cedo e muito provavelmente não conseguir outra vez, por sorteio, aquele lugar nas próximas vezes que lá caçarmos.
Ao chegar a casa, deixei as 3 perdizes a "amaciar" durante 3 dias no frigorífico e só depois as depenei e arranjei, fazendo-as da maneira que mais aprecio: "À convento de Alcântara ".
Desfrutando, com a família, que bem gostam.
Um abraço amigo.